sábado, 20 de junho de 2009

Sorriso do corpo.

Não há amizade sem ritmo. Tem que haver um mínimo, uma sombra, um resquício de um ritmo há muito perdido. Mesmo que ele só se mostre na hora da fala, do riso ou, por outra, nas palmas cheias de desejos nos parabéns. Da mesma forma, não pode haver felicidade sem ele. Chamam-me louca; resmungo um pouco, quero contestar. Mas, como não mudam de idéia (ops!) e nem eu, prefiro continuar a ser assim; não posso, não consigo me relacionar com quem não tem nem o mais ínfimo ritmo. É contra minha religião, meu signo, meu instinto.

Não que eu sambe bem, não é isso. Também não faço parte de nenhuma companhia de dança, nem sequer fui assistir aos espetáculos da Deborah Colker. Jamais fiz qualquer aula. Minto; fiz jazz ainda menina. Não sei dançar tango, forró ou frevo. Arrisco no funk, no bate-cabelo. Mas não é disso que falo, não pretendo ser uma hitler do rebolado africano. É que há em mim uma compreensão meio folclórica, meio pagã, que talvez não esteja nem certa nem errada, sobre os movimentos rítmicos, a interação dos braços, pernas, quadris, cintura; o ‘sorriso do corpo’ me atrai.

Uma vez li que, para se aprender a felicidade, bastava ver uma preta sambando. A maioria das pessoas acharia isso apenas lírico. Não que não seja; é. Mas houve, entre mim e a pessoa que o disse, uma compreensão mútua, um momento de êxtase, de puro êxtase, diante dessa verdade inapelável. Em milésimos de segundo saboreamos o Nirvana, com um sorriso frouxo estampado na cara e uma idéia (ops, de novo!) vaga e fosforescente na memória.

Os idiotas da objetividade dirão, taxativamente: b e s t e i r a. Amizade é muito mais que isso. É? Pois pra mim não há forma mais sublime de amizade que aquela de mesa de bar, dum sambinha vadio e batucado, das conversas cheias de mentiras (não há boa conversa sem uma dose de mentiras!) dos amigos descompromissados, do rebolado de mansinho, com os pés no chão. Os que não têm ritmo, no meio disso tudo, permanecem sentados, um copo de chopp na mesa, nem cheio nem vazio. Na mão não pode ficar; a falta de coerência entre os movimentos pode passar a perna e, num piscar de olhos, a cerveja vai pro chão. Também não aplaudem ao fim da música: o som das palmas desparelhadas agride os ouvidos alheios. Falar não podem, pois o som das suas vozes bruxuleia instável e, mais uma vez, agride os ouvidos. Melhor que fiquem sentados, imóveis e tristes. E que o chopp não lhes dêem (ops?) coragem pra falar, mover, cantar e SAMBAR, gargalhando, se achando os mais transgressores dos mortais. Reduzo-me à grosseria.

Chamem-me como quiserem; racista, preconceituosa, o escambau. Pensem o diabo de mim. Mas digo, e repito; não há amizade sem ritmo.