quarta-feira, 30 de março de 2011

No meio do caminho tinha uma pedra

Minha vida sempre foi uma sucessão de pequenas perdas. Às vezes, perdi por escolha, por achar num certo momento que meu caminho deveria seguir pra outro lado, e que esse novo rumo não suportava determinadas cargas. Outras, perdi porque quis ficar parada num mesmo pedaço empoeirado da estrada, e aí um vento forte me atingiu nas costas e pfffu... carregou um pedacinho de mim prum outro canto. E todas as opções eram regadas a muitas lágrimas, muitas mágoas, como qualquer morte.
Mas eis que em alguns momentos ando em círculos e, quando isso acontece, acabo tropeçando mais uma vez em algum antigo fardo esquecido pelo caminho. E, mesmo pensando duas vezes, decido amarrá-lo à minha trouxinha de viagem (que é vermelha de bolinhas brancas, diga-se de passagem) e sigo por um tempo feliz, na medida do possível, e saudosa como em qualquer momento.
E assim vou seguindo, abandonando e sendo abandonada, encontrando e desistindo outra vez. Talvez desistindo menos do que encontrando; cest la vie.
Mas não é que num outro dia dei uma topada naquela velha pedra no meio do caminho, ao lado daquele raminho de pimentas vermelhas, abaixei para pegá-la em meio a um turbilhão de palavrões, típico de quem sofre dum dedo mindinho esfolado, e nela estava escrito em runas antigas (inventadas pelos elfos, é claro): Quotidiano.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Hereditariedades. Ou a falta delas.

Pouco ou quase nada conheço de carros. Isso inclui marcas, tipos e acessórios. Nunca me interessei, nem quando via aquele êxtase estampado na cara do meu pai quando um carrão não-sei-quantas-cilindradas passava voando perto da gente. Acho que isso o frustrou um pouco. Quer dizer, não exatamente isso. Mas o meu desprendimento em relação às motos (sua maior paixão) é que realmente o fez desejar ter um filho másculo e explorador de habilidades radicais, as quais eu jamais fiz questão de possuir.

Sei que esse papo todo pode parecer meio sem sentido. Mas é que a morte do Michael Jackson me levou a pensar na morte de tantas outras pessoas, e eu acabei me lembrando do Ayrton Senna. Nunca vi meu pai chorar tanto. Nunca me esqueci o modo como ele deitou na cama, com uma total incredulidade. Ninguém na casa podia dar um pio. Era contra lei dele, naquele momento específico. Mas eu, com 4 anos, não entendia nada de leis. Também não conseguia admitir que meu pai tava na minha frente chorando como um grande bebezão. Ele, que sempre me disse que homens não choram.

Cresci, e graças a deus o destino fez o favor de livrar a minha cara dando um barãozinho a ele. Eu quis morrer de ciúmes, quase enlouqueci. Fazia planos duma fuga que nunca se concretizava. E meu irmão era tão pequeno! Um dos únicos bebês bonitos que já vi na minha vida, uns olhos de jabuticaba madura, cílios excepcionalmente longos, cabelos que de tão finos espetavam a mão quando se fazia carinho. Claro, eu nunca tinha experimentado fazer. Foi coisa que eu ouvi atrás da porta, sorrateiramente, esperando uma comparação que nunca vinha.

Ele cresceu, meu pai também. A ele, foi passado esse carinho por carros, motos, bicicletas e qualquer coisa que tenha a mais remota conotação de perigo. A mim, foram reservados os livros, e não tenho vergonha nenhuma de dizer que isso só aumentou o meu distanciamento com meu pai.

Já cheguei a me culpar por não ser o que ele esperava que eu fosse. Mas hoje, não. Hoje rio quando tenho que gritar um ‘putaquepariu’ pra algum imbecil exibicionista que esqueceu de ligar a seta, pensando que em algum lugar dessa cidade meu pai deve estar fazendo a mesma coisa.

sábado, 20 de junho de 2009

Sorriso do corpo.

Não há amizade sem ritmo. Tem que haver um mínimo, uma sombra, um resquício de um ritmo há muito perdido. Mesmo que ele só se mostre na hora da fala, do riso ou, por outra, nas palmas cheias de desejos nos parabéns. Da mesma forma, não pode haver felicidade sem ele. Chamam-me louca; resmungo um pouco, quero contestar. Mas, como não mudam de idéia (ops!) e nem eu, prefiro continuar a ser assim; não posso, não consigo me relacionar com quem não tem nem o mais ínfimo ritmo. É contra minha religião, meu signo, meu instinto.

Não que eu sambe bem, não é isso. Também não faço parte de nenhuma companhia de dança, nem sequer fui assistir aos espetáculos da Deborah Colker. Jamais fiz qualquer aula. Minto; fiz jazz ainda menina. Não sei dançar tango, forró ou frevo. Arrisco no funk, no bate-cabelo. Mas não é disso que falo, não pretendo ser uma hitler do rebolado africano. É que há em mim uma compreensão meio folclórica, meio pagã, que talvez não esteja nem certa nem errada, sobre os movimentos rítmicos, a interação dos braços, pernas, quadris, cintura; o ‘sorriso do corpo’ me atrai.

Uma vez li que, para se aprender a felicidade, bastava ver uma preta sambando. A maioria das pessoas acharia isso apenas lírico. Não que não seja; é. Mas houve, entre mim e a pessoa que o disse, uma compreensão mútua, um momento de êxtase, de puro êxtase, diante dessa verdade inapelável. Em milésimos de segundo saboreamos o Nirvana, com um sorriso frouxo estampado na cara e uma idéia (ops, de novo!) vaga e fosforescente na memória.

Os idiotas da objetividade dirão, taxativamente: b e s t e i r a. Amizade é muito mais que isso. É? Pois pra mim não há forma mais sublime de amizade que aquela de mesa de bar, dum sambinha vadio e batucado, das conversas cheias de mentiras (não há boa conversa sem uma dose de mentiras!) dos amigos descompromissados, do rebolado de mansinho, com os pés no chão. Os que não têm ritmo, no meio disso tudo, permanecem sentados, um copo de chopp na mesa, nem cheio nem vazio. Na mão não pode ficar; a falta de coerência entre os movimentos pode passar a perna e, num piscar de olhos, a cerveja vai pro chão. Também não aplaudem ao fim da música: o som das palmas desparelhadas agride os ouvidos alheios. Falar não podem, pois o som das suas vozes bruxuleia instável e, mais uma vez, agride os ouvidos. Melhor que fiquem sentados, imóveis e tristes. E que o chopp não lhes dêem (ops?) coragem pra falar, mover, cantar e SAMBAR, gargalhando, se achando os mais transgressores dos mortais. Reduzo-me à grosseria.

Chamem-me como quiserem; racista, preconceituosa, o escambau. Pensem o diabo de mim. Mas digo, e repito; não há amizade sem ritmo.

terça-feira, 10 de março de 2009

Away from here.

A cabeça andava embaralhada; coisa demais! Daí a minha ausência. É difícil dizer coisas quando não se sabe exatamente o que se pensa, e muito mais difícil ainda quando não se pensa nada (que foi o meu caso, em relação a esta joça). E também não dá pra resumir muito do que fiz ou senti, porque essas coisas ainda estão de tal maneira emaranhadas, que vai ser quase impossível escolher um dia & uma sensação, desembolar e discursar inutilmente sobre ela. Mas posso ir logo adiantando que jamais me vi tão sem perspectiva cmo há um tempinho atrás. Aliás, muito exatamente quando vi meu irmão comprando material escolar num dia e terminando as férias no outro; quando minha mãe voltou a trabalhar, e ficamos eu, minha solidão e uma televisão de quatorze polegadas trancafiadas em casa. Mas é passado, e do futuro muito se espera. Ansiosa absurdos pra sair por aí, cara-pintada e latinha na mão, levando trocos alheios de restaurante. Não canso nunca de imaginar. Nunca.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Gramatical

AMO-LHE TÃO

PROFUNDA

MENTE QUE NEM

MIM NEM

TU NEM A

G R A M Á T H I CA

ENTENDEM OS.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Carta ao menino azul-pelado*

Os anos de Criar foram uns dos melhores da minha vida. Lembro-me com um saudosismo sentimentalista das cores vibrantes desse arco-íris, que por tanto tempo tingiram a minha história, e moldaram o meu caráter e a minha poesia.

A escola era a extensão do meu quintal. Os professores, meus tios e tias mais queridos e presentes. Sangues do meu sangue. Que me fizeram compreender que às vezes uma banalidade pode ser o motivo de uma lágrima ou de um sorriso; que um abraço num momento esquisito pode significar além do imaginado e pretendido.

Lá, me fizeram acreditar na canção que dizia que é preciso amar, embora isso soe clichê. Me fizeram entender que o clichê, muitas vezes, é a diferença entre o que importa e o que não faz o menor sentido. Aprendi a correr quando não há escapatória, a resolver problemas com a desenvoltura descompromissada de uma criança.

Muito mais do que formular pré-fabricadas, foi no Criar onde aprendi a enxergar que a vida vai além de um soneto decassílabo de rimas intercaladas; que, na verdade, a vida é apenas um punhado de lembranças coloridas que nos fazem chorar num domingo chuvoso recheado de memórias, como este.

*Menino azul-pelado é referente à antiga logo do Criar.