Pouco ou quase nada conheço de carros. Isso inclui marcas, tipos e acessórios. Nunca me interessei, nem quando via aquele êxtase estampado na cara do meu pai quando um carrão não-sei-quantas-cilindradas passava voando perto da gente. Acho que isso o frustrou um pouco. Quer dizer, não exatamente isso. Mas o meu desprendimento em relação às motos (sua maior paixão) é que realmente o fez desejar ter um filho másculo e explorador de habilidades radicais, as quais eu jamais fiz questão de possuir.
Sei que esse papo todo pode parecer meio sem sentido. Mas é que a morte do Michael Jackson me levou a pensar na morte de tantas outras pessoas, e eu acabei me lembrando do Ayrton Senna. Nunca vi meu pai chorar tanto. Nunca me esqueci o modo como ele deitou na cama, com uma total incredulidade. Ninguém na casa podia dar um pio. Era contra lei dele, naquele momento específico. Mas eu, com 4 anos, não entendia nada de leis. Também não conseguia admitir que meu pai tava na minha frente chorando como um grande bebezão. Ele, que sempre me disse que homens não choram.
Cresci, e graças a deus o destino fez o favor de livrar a minha cara dando um barãozinho a ele. Eu quis morrer de ciúmes, quase enlouqueci. Fazia planos duma fuga que nunca se concretizava. E meu irmão era tão pequeno! Um dos únicos bebês bonitos que já vi na minha vida, uns olhos de jabuticaba madura, cílios excepcionalmente longos, cabelos que de tão finos espetavam a mão quando se fazia carinho. Claro, eu nunca tinha experimentado fazer. Foi coisa que eu ouvi atrás da porta, sorrateiramente, esperando uma comparação que nunca vinha.
Ele cresceu, meu pai também. A ele, foi passado esse carinho por carros, motos, bicicletas e qualquer coisa que tenha a mais remota conotação de perigo. A mim, foram reservados os livros, e não tenho vergonha nenhuma de dizer que isso só aumentou o meu distanciamento com meu pai.
Já cheguei a me culpar por não ser o que ele esperava que eu fosse. Mas hoje, não. Hoje rio quando tenho que gritar um ‘putaquepariu’ pra algum imbecil exibicionista que esqueceu de ligar a seta, pensando que em algum lugar dessa cidade meu pai deve estar fazendo a mesma coisa.