Não há amizade sem ritmo. Tem que haver um mínimo, uma sombra, um resquício de um ritmo há muito perdido. Mesmo que ele só se mostre na hora da fala, do riso ou, por outra, nas palmas cheias de desejos nos parabéns. Da mesma forma, não pode haver felicidade sem ele. Chamam-me louca; resmungo um pouco, quero contestar. Mas, como não mudam de idéia (ops!) e nem eu, prefiro continuar a ser assim; não posso, não consigo me relacionar com quem não tem nem o mais ínfimo ritmo. É contra minha religião, meu signo, meu instinto.
Não que eu sambe bem, não é isso. Também não faço parte de nenhuma companhia de dança, nem sequer fui assistir aos espetáculos da Deborah Colker. Jamais fiz qualquer aula. Minto; fiz jazz ainda menina. Não sei dançar tango, forró ou frevo. Arrisco no funk, no bate-cabelo. Mas não é disso que falo, não pretendo ser uma hitler do rebolado africano. É que há em mim uma compreensão meio folclórica, meio pagã, que talvez não esteja nem certa nem errada, sobre os movimentos rítmicos, a interação dos braços, pernas, quadris, cintura; o ‘sorriso do corpo’ me atrai.
Uma vez li que, para se aprender a felicidade, bastava ver uma preta sambando. A maioria das pessoas acharia isso apenas lírico. Não que não seja; é. Mas houve, entre mim e a pessoa que o disse, uma compreensão mútua, um momento de êxtase, de puro êxtase, diante dessa verdade inapelável. Em milésimos de segundo saboreamos o Nirvana, com um sorriso frouxo estampado na cara e uma idéia (ops, de novo!) vaga e fosforescente na memória.
Os idiotas da objetividade dirão, taxativamente: b e s t e i r a. Amizade é muito mais que isso. É? Pois pra mim não há forma mais sublime de amizade que aquela de mesa de bar, dum sambinha vadio e batucado, das conversas cheias de mentiras (não há boa conversa sem uma dose de mentiras!) dos amigos descompromissados, do rebolado de mansinho, com os pés no chão. Os que não têm ritmo, no meio disso tudo, permanecem sentados, um copo de chopp na mesa, nem cheio nem vazio. Na mão não pode ficar; a falta de coerência entre os movimentos pode passar a perna e, num piscar de olhos, a cerveja vai pro chão. Também não aplaudem ao fim da música: o som das palmas desparelhadas agride os ouvidos alheios. Falar não podem, pois o som das suas vozes bruxuleia instável e, mais uma vez, agride os ouvidos. Melhor que fiquem sentados, imóveis e tristes. E que o chopp não lhes dêem (ops?) coragem pra falar, mover, cantar e SAMBAR, gargalhando, se achando os mais transgressores dos mortais. Reduzo-me à grosseria.
Chamem-me como quiserem; racista, preconceituosa, o escambau. Pensem o diabo de mim. Mas digo, e repito; não há amizade sem ritmo.
6 comentários:
Essa foi uma carta pra mim? aha
Você bate palmas bastante bem. :D
Thayzinha,
você ARRASAAAAAAAAA, meu bem!
adorei!
grande beijo.
Me leva que eu sei dançar!
Olá, Tharyne!
Desculpe a intromissão, mas a bina do meu blogue te pegou! :)
Vi qual conto leste na Coluna, em verdade um conto bem mais antigo do que aquela data que consta postado.
Mas enfim, meu conto me trouxe até o seu Quotidiano. Gostei da tua escrita. E me parece uma escrita madura, que difere da fotinha do teu perfil com cara de menina sapeca! ;)
Bom, sobre o texto, acredito bem no que escreveu. Mas não sei se são só as amizades, acho que as relações humanas, todas elas, precisam de ritmo. Porque acho que este é parente próximo da sintonia. E quando não há sintonia, ou no jargão, quando o santo não bate, é porque não tem ritmo, sintonia ou coisa que valha pra que aquilo dê certo.
Vou te lincar e ler mais coisas por aqui, ok.
Beijocas!
Até que enfim você postou e até que enfim que eu apareci!
Ficou ótimo, como sempre.
Eu já sou baba ovo demais pra ficar elogiando mais...
Bjundas
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